15 de abr. de 2009

Novela da vida real

Gente, consegui acabar a saga da Joana, como tá muito antigo o post, coloquei desde o começo aqui, e tá inteira, GIGANTE, então acho melhor vocês salvarem e lerem em partes.


Joana sempre foi a certinha, fazia tudo como manda o figurino, tirava boas notas na escola, queria ser bióloga quando crescesse, obedecia aos pais, que não eram tão certinhos, mas tinham orgulho do trabalho que tinham feito com Joana, ela era a menina impecável, a filha que todos pais gostariam de ter. Educada, inteligente, bonita, aos 12 anos ganhou um concurso de ciências da escola com um projeto sobre Darwinismo. Que orgulho! Com o passar do tempo, Joana foi sendo excluída das turmas da escola por seu destaque entre os adultos, ela era sinal de perigo para os baderneiros, concorrência para os CDF’s e não tinha o perfil dos esquisitões que geralmente se excluem voluntariamente do convívio social. Na adolescência, seu rosto bonito chamava a atenção, por isso as meninas evitavam conversar com ela, os meninos se aproximavam, muito interessados, mas Joana era inteligente demais para o papo adolescente deles. Ela se dava bem com os amigos de seus pais, de seus tios, conversava horas com eles sobre seus planos, seus projetos, suas opiniões, tinha debates intermináveis sobre Rolling Stones, sua banda favorita, mesmo não sendo a banda mais certinha, Joana se identificava com eles, quando as meninas de 16 anos gostavam de High School Musical ou Iron Maiden. Os pais de Joana eram bem diferentes da filha, a mãe, Roberta, era uma ex hippie que se tornou teóloga, mas ainda assim não conseguia se redimir dos seus pecados anteriores e vivia numa auto-punição eterna que acabou imprimindo-se na criação que deu a Joana. O pai, Fabio, era um professor de dança, sedutor e infiel, mesmo sendo muito discreto quanto as traições, não deixava de ser galanteador com todas as mulheres que conhecia, por isso Joana evitava ter amigas, para poupá-las de um dia conhecer seu pai. Joana visitava muito seu tio Horácio, irmão mais novo de Fabio, um produtor musical que adorava Rolling Stones e, nas horas vagas, tocava na noite. Ele e a sobrinha se davam muito bem e ele acreditava no potencial dela como guitarrista, ele a ensinou a tocar o instrumento aos 7 anos e desde então a menina só se aperfeiçoou.
Porém Joana era tímida demais para começar uma banda, ela não tinha coragem de subir num palco e tocar, ela não tinha coragem nem de tocar nas reuniões de família, ela só tocava sozinha ou com seu tio Horácio. Ninguém a convencia de fazer mais que isso, ninguém mesmo. Talvez nem Mick Jagger em pessoa o conseguisse. Joana estava para fazer 18 anos, eram seus últimos dias de aula e ela estava feliz de se livrar dos ‘acéfalos’ da escola. João, um menino que ela tinha beijado uma vez e não largava do pé dela, perguntou o que ela iria fazer depois da aula, ela disse que iria ver o tio dela, ele se convidou para ir junto, ela disse que eram negócios de família. João ficou triste, pois teve certeza de que nunca mais veria Joana, ela foi a menina mais bonita que ele já tinha beijado na vida, foi uma conquista difícil, numa festa junina chuvosa no segundo colegial, ela, tímida como sempre, foi o par dele e, depois da dança, eles foram se sentar, ela toda vermelha, não se conformava como tinha topado aquilo. Ele a abraçou e a beijou, talvez ele tenha sido a pessoa mais próxima dela em toda a escola desde quando ela entrou lá aos 7 anos. Isso fazia João se sentir especial, pelo menos para Joana, sem falar na combinação entre os nomes, isso era bem fofo. Porém para Joana, João não passou de uma experiência que ela tinha que ter para a vida, ele tinha algo de especial, pois foi quem ela permitiu uma aproximação maior, mas foi apenas naquela ocasião, ela não queria nada mais com ele, ela não tinha vontade de ficar próxima dele e, por incrível que pareça, ela não se sentia mal com isso. Acabou a aula e Joana deu graças a Deus, saiu e foi correndo para a produtora de seu tio, lá ele estava com um bando de amigos, o que deixou a tímida Joana muito envergonhada, ela já estava prestes a bater em retirada, quando o tio a viu indo e a chamou para conhecer seus amigos. Como sempre, a principio Joana não falou muito, mas logo foi se entrosando e os coroas adoraram a moça, eles tocavam jazz numa banda e foram decidir com Horácio como ficaria a produção. Quando souberam que ela tocava guitarra, queria uma palhinha, mas ela se negou pontualmente. Joana sempre se sentia mais confortável com pessoas mais velhas, ainda assim não o suficiente para fazer certas coisas, como tocar guitarra, cantar, falar sobre sua vida pessoal ou da vida pessoal alheia. Ela era muito comedida, mas não se enxergava assim, ela acreditava que estava certa, que devia se poupar, que não iria mudar sua vida passar por uma vergonha dessas, ou falar da vida, do quanto se sentia incomodada com o casamento dos pais, de que talvez não gostasse de meninos e nem de meninas, que não sabia mais se queria ser bióloga. Ela guardava tudo dentro dela, não via porque compartilhar isso, eram problemas que ela teria que resolver com ela mesma, então não via necessidade de falar com os outros sobre isso, ela não queria ter um futuro na musica, por isso não via necessidade em tocar em publico. Esse era o raciocínio de Joana. Tão inteligente, tão cheia de barreiras.

Joana começou a faculdade de biologia, onde encontrou muita gente tão estranha quanto ela, e, ao mesmo tempo, tão interessante. Tinha um professor maluco, George, que sempre questionava as teorias mais comprovadas pela ciência. Ele queria sair da lógica positivista e estimular o prazer filosófico da dúvida, da certeza inconcreta. Joana se identificava com essas incertezas, e aproveitou para se questionar, tentar por outro norte na sua vida, algo diferente daquela linha reta que ela vinha seguindo. Ela estava se vendo em terceira pessoa e percebeu que não estava feliz como queria acreditar que estava. Numa tarde, foi visitar seu tio Horácio e os caras do jazz estavam lá gravando, ela viu um dos coroas arrasando num solo de baixo, era Bob, amigo de Horácio que ela conhecera da outra vez que foi lá. Entre um papo e outro, ele contou sobre sua paixão por Rolling Stones e que ele tinha uma banda de rock, paralela a de jazz e que sempre faziam covers, especialmente de Rolling Stones e Beatles. Joana viu nessa aproximação uma oportunidade para dar um novo rumo a sua história, e, sem rodeios, falou com seu tio Horacio que estava interessada em Bob, Horacio, que adorou a idéia, a levou pra ver a banda de Bob numa balada, eles tocaram Angie, Midnight Rambler e Sympathy for the devil, as preferidas de Joana. No fim do show, a envergonhada Joana foi desafiar todos os seus tabus e conseguiu arrancar um beijo de Bob, 20 anos mais velho que ela. Ele lidou com isso como um encantamento da mocinha de 18 anos, mas não que ele não pudesse se aproveitar disso. Bob pegou o telefone de Joana com Horacio, que alertou a sobrinha falando que Bob não era dos mais santinhos, pra ela ir com calma. Joana respondeu firme, dizendo que estava numa nova fase da vida, não iria cair de amor assim tão fácil. Logo no dia seguinte Bob ligou chamando Joana para almoçar, ela estava saindo de uma entrevista de estágio e topou prontamente. Depois do almoço eles deram uma volta, resgataram um cachorro de rua e foram pra casa de Bob, inicialmente pra cuidar do cachorro, mas no fim um acabou cuidando do outro. Era muito de uma vez para Joana, ela que sempre se retraiu, não se entregava para as pessoas estava ali, na casa de um cara muito mais velho, fazendo sexo sem compromisso, fumando um cigarro e bebendo um copo de vodka com suco de laranja. Depois da transa, ela começou a pensar, enquanto fazia cafuné em Bob, se era aquilo mesmo que ela queria. Sair de um extremo para o outro, assim, talvez não fosse muito inteligente. Bob puxou o assunto de relacionamentos com Joana, ela confessou que estava apreensiva, que nunca tinha feito aquilo e que talvez ela estivesse fora de si, agindo impulsivamente com sede de emoção, ele já explanou suas experiências, divorciado, um filho, depois ficou como Horácio, o tiozão que sai com as cocotas, mas pra ele Joana não era isso, era uma mulher profunda, cheia de mistérios e que ele queria muito desvendar. Ela foi carinhosa e só disse um “deixa rolar” pra não cortar o clima de início de romance.
Enquanto isso, o casamento de Roberta e Fabio estava ruindo, eles temiam que, assim que Joana saísse de casa, o que estava perto de acontecer, pois ela havia arrumado o estagio remunerado, o casamento fosse embora junto. Fabio não queria enxergar os problemas de sua esposa, ele se refugiava na dança, na boemia e no colo de mulheres alheias, talvez para se eximir da responsabilidade do casamento furado. Roberta ainda carregava a mácula da morte de sua melhor amiga, Michele, que, nos tempos áureos de sexo livre e amor compartilhado, se infectou com AIDS e faleceu antes dos 20 anos. Roberta acreditava que poderia ter sido com ela, que talvez o erro fosse não ter tido uma vida reta, como a que ela fez a filha levar.

Joana chegou da casa de Bob e viu sua mãe lendo, sozinha, perguntou de Fabio, mas a mãe não soube responder. Joana contou pra mãe que dentro de 2 meses ela sairia de casa, queria ajuda pra essa mudança, que não estava sendo fácil para ela também. A mãe chorou e abraçou a filha, como se o ultimo suspiro de seu casamento fosse dado. Quando Fabio chegou em casa, já na madrugada, percebeu que Roberta estava acordada e conversaram. “O que faz acordada essa hora?”
“Esperava você chegar. A Joana pretende sair daqui em 2 meses, e agora?”
“Ora, Roberta, a gente sabia que isso aconteceria um dia, qual o grande problema?”
“Bom, agora acabou.”
“Acabou o que?”
“Nós... Não há mais razão de continuarmos isso.”
“Roberta, não misture as coisas, eu te amo, não quero acabar com nosso casamento.”
“Mas ele já acabou, Fábio, desde o começo ele estava fadado ao fracasso, você sempre tão distante de mim, tão omisso.”
“Querida, não seja assim, eu sempre te amei, eu só não me adapto ao jeito de ver as coisas.”
“Como assim? Você acha o que? Que eu deveria ganhar a vida dançando, distribuindo sorrisos e flertando com todos?”
“Eu só acho que você se casou comigo pra superar alguma coisa, e eu topei, mas eu não deixei de ser eu, mas você, ora, cada dia mais distante de mim, cada dia mais convicta desses conceitos religiosos que a gente tanto condenava quando era adolescente, olha a Joana, porra, ela ainda deve ser virgem, coitada!”
“Fabio, saia daqui, não quero mais ter essa conversa com você!” – E assim Roberta terminou a conversa.

Joana dormia profundamente, nem percebeu a discussão dos pais. Ela acordou feliz e bem disposta no outro dia, foi para o estagio, depois encontrou Bob, e, por fim, foi para a faculdade, e assim foram suas semanas até o dia que ela se mudou para o seu apartamento. Ela estava receosa em morar sozinha, tudo ia ser muito estranho. Bob se ofereceu para ajudar na mudança, mas Joana recusou, ela ainda não tinha coragem de assumi-lo para seus pais, por enquanto só seu tio Horacio sabia. Ela demorou um fim de semana todo para acabar a mudança, na segunda-feira foi para a faculdade e conversou com George, seu professor, mas, desta vez, sobre um assunto mais pessoal. “O senhor, que se interessa tanto por filosofia, poderia me ajudar numa questão?”
“Claro Joana, o que é? A inteligência dos golfinhos?”
“Não, na verdade é sobre o bicho homem, sabe, por que nunca estamos satisfeitos?”
“Nietzsche diz que nós mesmos é que nos pregamos peças, ao tomar esse mundo, com espaço, tempo, forma, movimento, como falsamente inferido.”
“I can’t get no satisfaction”
“É, Mick Jagger e Keith Richards são mais diretos ao ponto.”
“Eu sempre acho que eu deveria jogar tudo pro alto e ser uma rockstar”
“Joana, não há nada que te impeça de ser o que você quer ser, a não ser você mesma.”
Joana refletiu sobre isso, e foi de encontro a seu tio Horacio, e disse que queria gravar alguma coisa com ele. Horacio quase enfartou, ficou assustado mas muito feliz com a decisão da sobrinha. Não que ela realmente quisesse ser uma rockstar, mas ela queria superar o medo do público e saber que ela só não foi uma Patti Smith porque não quis e não porque não conseguia tocar com alguém olhando. Horacio chamou Bob e sua banda pra acompanhar Joana, eles tocaram ‘love in vain’ dos Rolling Stones, ‘Help’ dos Beatles e ‘Remedy’ dos Black Crowes. Joana se sentiu muito bem em estar lá, tocando as músicas que gostava. Ela começou a se apresentar em alguns shows da banda de Bob, mas nada muito corriqueiro, apenas jams entre amigos. Nesse meio-tempo os pais de Joana se separaram e Fabio foi morar com o irmão, Horacio. Isso acabou aproximando pai e filha, e Fabio soube de Bob e ficou muito feliz da filha estar enfrentando seus medos, diferente da mãe, que estava cada dia mais paranóica. Joana resolveu visitar a mãe, elas tiveram uma longa conversa e Roberta confessou que no passado foi muito diferente, que ela amava Fabio, mas ela tinha medo de não ser uma pessoa correta, por isso não fazia vistas grossas quando o marido sumia nas noitadas e voltava com perfume feminino no cangote. Roberta queria ser a dona de casa exemplar, a mãe exemplar, e achava que todo o sofrimento fazia parte da redenção dos seus pecados anteriores. Joana percebeu que a auto-penitencia da mãe a fez se tornar uma pessoa amarga e sem fé na vida. Vivendo apenas para “carregar a cruz” por seus erros, que na verdade não eram erros, e sim experiências. A morte de Michele fez com que Roberta entrasse num mundo depressivo particular, e Roberta acreditou que casar-se com Fabio e ser mãe a tirariam dessa prisão, mas isso não aconteceu. Joana recomendou que a mãe passasse um tempo fora, que aproveitasse a liberdade e fizesse algo surpreendente, alguma coisa que desse sentido a vida. Joana contou a mãe que estava mudando o rumo de sua vida, que a certeza da felicidade não existe, mas sim uma eterna busca, que dá sentido pra cada dia ser especial. Roberta ficou sensibilizada, mas ainda não estava preparada para uma mudança. Joana contou a mãe sobre Bob, Roberta ficou um pouco assustada, mas já havia percebido que não tinha mais controle sobre a vida da filha, conformou-se então.

Bob era a companhia perfeita para Joana, estavam muito felizes, a parceria deles dera certo em todos os aspectos, até o filho de Bob já estava se afeiçoando a Joana. Estavam juntos há alguns meses, mesmo que nada formalizado, já eram namorados aos olhos das pessoas. Mas Joana preferia não rotular ainda, não pro estar cética, mas sim para não estragar o encanto. Estava quase no período de férias e Fabio foi convidado para uma convenção de tango em Buenos Aires, Joana disse para o pai levar Roberta, que seria bom pra eles tentarem retomar o romance, mas Fabio achou que Roberta poderia não topar as aulas de Tango e, muito menos, vê-lo dançar com as belíssimas argentinas. Joana acabou acompanhando o pai e ambos adoraram passear pelas ruas argentinas no calorzinho de dezembro. Ainda não era Natal, mas tudo estava arrumado a espera do papai Noel e do ano novo, tudo muito bonito, e a noite, as apresentações eram maravilhosas, de Astor Piazzola a Bajofondo, os dançarinos tinham habilidades que deixaram Joana perplexa e a fez admirar e muito o trabalho do pai, como nunca tinha feito antes. No meio de todo aquele burburinho, Joana encontra João, o amigo de escola que não via há mais de ano, trabalhando como fotografo na convenção. Foi uma surpresa para ambos, eles resolveram marcar de ir almoçar num restaurante perto do hotel no outro dia, enquanto Fabio receberia umas aulas de tango eletrônico.

O almoço com João foi bem informal, os dois estavam mais maduros e finalmente se viram como amigos, João ficou muito animado ao perceber que Joana estava realmente interessada no que ele fazia, como ele estava, diferente da época da escola, que Joana era distante e não se importava com nada. Eles marcaram de se encontrar quando voltassem pra cidade deles, quem sabe rever alguém do passado, ou só curtir um som em algum lugar legal. João reacendeu o interesse que estava apagado lá no fundo do baú, viu que Joana estava uma mulher muito mais interessante e continuava muito bonita. Joana, ainda que gostasse muito de Bob, achou que João estava bem bonito e interessante também. Mas nada demais aconteceu, só comidinhas e conversas. De volta ao Hotel, Fabio levou a filha para uma aula de tango, Joana, meio desengonçada, se deu bem com os passos, deixando o pai orgulhoso. Naquela noite pai e filha encheram a cara de Mescal e uma moça abordou o pai dela, que prontamente já disse que Joana era sua filha, que ele estava separado e pronto para conhecer uma mulher tão interessante. Joana decidiu voltar ao quarto, bêbada, ligou para João e eles combinaram uma voltinha pela noite portenha. João percebeu que Joana estava bêbada, então resolveu levar uma garrafa de Quilmes debaixo do braço e ir bebendo, claro que não ficou no mesmo grau que Joana, mas ao menos ele conseguiria entrar no mesmo ritmo que ela. Foram num baile de Cumbia e dançaram muito com todos portenhos que conheceram. Ao amanhecer João deixou Joana no Hotel, já mais sóbria e eles acabaram se beijando, não apaixonadamente, na verdade lembrou o beijo deles da adolescência. Joana sorriu e entrou no Hotel, João foi para seu hotel cantando e feliz, parecia embriagado de felicidade. Fabio perguntou pra filha por onde ela andava, ela disse que saiu com o velho amigo de colégio, o pai disse que se deu bem com a moça argentina, mas que eles tinham que voltar pra casa, então não rolaria romance e Roberta não precisava ficar sabendo. Joana, rindo, disse para o pai não comentar com Bob sobre o amigo de escola que ela reencontrou. Fabio e Joana voltaram muito unidos dessa viagem. De volta a realidade, Joana encontra Bob muito feliz de revê-la, porem ela não está tão animada. O que rolou foi: Bob já tinha tido muitas experiências, ele, por mais que negasse, queria estabilidade, e Joana parecia perfeita, pois era bonita, gostava de rock, tocava com ele a noite e gostava do filho dele. Pra que procurar, ela parecia perfeita pra passar o resto dos dias com ele. Já para Joana, o reencontro com João mostrou que ela pulou muitas coisas na vida por medo, e que ainda havia tempo, pois ela estava com 19 anos, quase 20 e podia fazer muito, viajar, conhecer pessoas novas, sair para novas baladas, quem sabe procurar estabilidade depois, quando sentir que seja a hora, pois ela viveu sempre estável, convicta de seus objetivos e dentro das delimitações que havia feito desde criança.

Bob, por mais maravilhoso que fosse, ainda não era o que Joana precisava, ele fez parte do processo de amadurecimento, mas estava na hora dele deixar a borboleta voar. Joana conversou com ele e expôs tudo que pensava, que queria ficar um tempo fora do país, tentar ajudar a mãe a melhorar dos traumas, conhecer lugares onde se toca rock de raiz. Primeiro Bob relutou, até perguntou para Joana se havia outro cara na jogada, Joana respondeu: “obviamente não, eu quero tempo pra me conhecer, conhecer essa Joana que me tornei, que você ajudou a me tornar. Quero poder te encontrar mais pra frente, preparada pra, quem sabe, viver uma estabilidade com você. Mas agora chegou o momento de eu me despir um pouco desse papel de dependente e ser mais independente, minha viagem a Argentina mostrou que há muito ainda a ser visto, quero estar aberta pra isso”. Bob a abraçou e foi embora. Joana se candidatou a uma bolsa de estudos na Austrália, e falou para mãe que, caso ela conseguisse, a acompanhasse, pois estava definhando por causa da separação, da falta da filha e dos afazeres como professora acadêmica. Roberta relutou, mas depois pensou bem e disse que toparia, caso acontecesse. E aconteceu. Joana conseguiu a bolsa de 1 ano de estudos numa universidade australiana. Clima tropical, praia, gente nova, uma oportunidade e tanto para mudar sua vida e ajudar a mãe. Roberta ficou com medo de não ter o que fazer na Austrália, mas logo se animou ao saber que poderia trabalhar em alguma escola, lecionando teologia. As duas juntaram suas economias e se prepararam para mudar para o outro lado do mundo. Roberta estava feliz por estar ao lado de Joana, isso a fez ter um fôlego para um desafio tão grande. Antes de partir, Horacio fez uma festa de despedida para as moças, e Fabio se mostrou muito triste de perder as mulheres da sua vida por um ano. Ele ficou mais triste do que ele pensaria que poderia ficar. Roberta também estava triste, mas sentiu que era isso ou continuar definhando em sofrimentos. Bob deu uma passada rápida na festa, pois estava abalado com a repentina mudança de Joana, ele preferiu ir La, dar um abraço e deixar uma carta, para que ela lesse quando chegasse lá. Joana ficou emocionada, mas estava empolgada com a mudança e de estar indo com a mãe. Depois da festa Joana se encontrou com João, e, por iniciativa dela, eles tiveram uma noite de sexo como nunca tiveram em todo o colegial, só para que eles não passassem batido um pela vida do outro. “Foi ótimo estar com você, Joana. Espero que possamos nos ver mais vezes.”
“Eu queria só fechar esse capítulo do meu passado, você foi importante pra mim, nunca tinha percebido, mas eu gosto de você, como estou indo embora, tive que adiantar as coisas. Vai saber, nesse meio tempo, o que pode acontecer conosco?”
E mãe e filha viajaram horas e horas, chegaram em Melbourne e foram para um hotel, como já estava tudo meio que combinado, as duas se mudaram para uma casinha numa cidadezinha vizinha. Joana continuou a faculdade lá, com um fôlego diferente, fez vários amigos e até fazia luaus na praia. Roberta começou a trabalhar numa escola de ensino médio, e se encantou com os adolescentes de lá. Por insistência da filha, Roberta se inscreveu num curso de teatro, o que ela achou muito ridículo, a principio, mas depois começou a ver que estava melhorando a auto-estima dela. O curso era só aos sábados, então durante a semana Roberta organizava debates na escola, começou a se entrosar com a comunidade local e ser menos pessimista quanto as sua existência. Joana e Roberta estavam se unindo, mas, com o passar do tempo, Roberta decidiu voltar pra casa, pois viu que, se não voltasse logo, não conseguiria por sua vida no lugar. Aquilo ali era maravilhoso, mas não era permanente, ela queria poder usar seu animo para voltar com o marido, arrumar um novo trabalho, fora de uma universidade católica, quem sabe voltar a dançar, como quando conheceu Fabio. E foi isso que ela fez, Joana, já adaptada ao cotidiano australiano, apoiou a mãe, mas disse que ficaria mais, até o fim da bolsa de estudos. Roberta voltou e, como tinha alugado a casa pra outra pessoa morar, foi se hospedar em um Hotel e pediu para Fabio ir encontrá-la. Quando Fabio a viu no lobby, não acreditou, ela estava ótima, revigorada, bem cuidada, não era mais aquele trapo que era antes. Ele decidiu levá-la para a kitinete que ele estava morando, eles resolveram enterrar o passado, então Roberta, que estava com receio de ir pra la e encontrar uma mulher 10 anos mais nova que ela na cama dele, foi e viu que o tempo sozinho também ajudou o marido a se reorganizar. A casa estava arrumada, nenhuma garrafa ou bituca de cigarro no chão, ele havia se tornado um homem mais responsável, ou contratou uma empregada. “Eu aprendi a me virar sozinho, nossa, como você faz falta. Saí da casa do meu irmão, que é solteirão e todo desorganizado e decidi fazer meu cantinho um lugar especial.”
“Fabio, você realmente me surpreendeu, ou a empregada veio hoje cedo?”
“Roberta, eu estou sem dinheiro pra pagar empregada, sem você eu não fiquei só sem mulher, sem casa, fiquei sem grana também.”
“Sem mulher você já estava faz tempo, eu admito. Mas olha, eu lembro quando você disse que eu não havia superado algo do passado, eu realmente estava presa, naquela coisa de achar que a morte da Michele tinha a ver comigo. Agora eu sei que eu devo agradecer a Deus por não ter sido infectada e poder ter formado uma família maravilhosa com você. Afinal, eu e Michele compartilhávamos nossos parceiros, assim como ela, eu poderia ter tido AIDS.”
“Menos eu, eu nunca nem beijei a Michele. Uma pena, pois ela era uma gata.”
“Fabio, seu piadista! Você está pronto pra tentar de novo? Estamos velhos, mas estamos vivos, eu aprendi com o pessoal lá na Austrália, que enquanto eu tiver fôlego, a minha vida pode valer a pena.”
“Eu sempre acreditei que um dia você ia sair daquela redoma, por isso nunca te abandonei, por isso queria chamar sua atenção, estou muito feliz que você ainda me aceite.”
E os dois se beijaram apaixonadamente, como há mais de 20 anos, quando se conheceram. Fabio colocou um bolero pra tocar e os dois dançaram e se amaram como há muito não faziam. Depois de um tempo, eles mandaram um email para Joana:

“Querida filha, estamos aqui pensando em você, o quanto nos ajudou, não sabemos nem quando e nem por que, mas você reacendeu a luz da vida em nós. Esperamos que você esteja tão bem quanto nós! Te amamos!
PS: Tio Horacio mandou milhões de beijos e quer um cartão postal! Ah, e ele disse que o Bob quer seu endereço. Parece que o amor está batendo na porta de alguém, hein?”

Quando Joana leu o email, se lembrou da carta que Bob lhe entregou 6 meses atrás, na festa de despedida. Ela havia ficado tão agitada com a viagem que nem leu a carta, tinha deixado em alguma pasta e foi procurar. Agora a curiosidade tomava conta de Joana. Ela fuçou os armários, as malas e, na pasta de documentos, achou o envelope.

“Joana, você me trouxe muita alegria no período que ficamos juntos. É triste a separação, espero que seja um ‘até logo’ e não um ‘adeus’. Eu sei que é meio piegas o que vou dizer, mas, por isso pedi que abrisse a carta logo que chegasse. Aí vai: EU TE AMO.
Nesse tempo todo, nunca te disse isso, não aguardo uma resposta. Só quero que você saiba.

Bob”

Joana caiu pra trás, em cima do sofá. Como ela pode deixar um homem que a amasse, depois de dizer que a amava, sem noticias por 6 meses? Que tipo de mulher cruel é essa? Joana decidiu mandar um email para Bob, escrevia compulsivamente, apagava, pensava, estava transtornada. Se sentiu culpada pro ter dormido com João naquela noite em que ele havia entregado a carta. Aí ela parou e pensou “O que me faz sentido agora?”. Parou de escrever o email e pensou se ela estava mal por pena de Bob, ou por amá-lo. Então a resposta veio, como num sopro divino: ela não o amava, nunca o amou. Ela gostava dele, da companhia, da experiência, do sexo, das noitadas, da musica. Mas ela não poderia dizer que o amava, assim, como o homem de sua vida, alguém pra compartilhar tudo. Então ela pensou e reescreveu tudo que havia escrito.

“Olá Bob, sei que sumi, que não fui a melhor pessoa nesses últimos 6 meses com você, eu acredito que, mesmo quando disse que não aguardava uma resposta, você queria saber algo de mim. E eu peço perdão, pois eu só li a carta agora, há uns 10 minutos. Eu surtei, fiquei me achando uma pessoa má e mesquinha por ter esquecido a carta, por não ter entrado em contato com você, por nem checar os emails, que agora vi, que me mandava, mudei de país, de email e não te disse nada, te deixei guardado no passado, como se fosse uma outra vida. Agora eu sei porque Horacio não me falava de você, acho que você devia estar sofrendo e queria me poupar disso. Eu não merecia tanto cuidado. E você não merecia meu desprezo, não foi proposital, eu só mergulhei tanto na minha vida nova que mal fiz contato com o pessoal aí. Eu sumi pra todos, até pro meu pai. Agora que minha mãe não está mais aqui, eu senti o baque, eu senti que estou sozinha, mas porque eu quero e não porque não tenho opção. Em 6 meses minha bolsa acaba e eu volto pra minha cidade, pra antiga realidade. E acho que, se isso não tivesse acontecido, se eu não tivesse visto a carta, se minha mãe não tivesse ido, de nada ia valer esse ano na Austrália. Me perdoe, por favor, me perdoe. Espero que possamos nos ver quando eu voltar. Espero que possamos conversar.
Beijos, Joana”

Foi uma semana difícil para Joana, ela ficou muito abalada e as pessoas perceberam. Ela terminou o casinho com um rapaz que ela sempre via, ela resolveu que ia ficar um tempo introspectiva, pra tentar entender seus sentimentos. Por outro lado, Bob recebeu o email já imaginando que, como estava obvio, Joana não o amava e ele deveria parar de insistir entrar contato com ela. Era o fim do relacionamento deles, pra ele, naquele momento. Para Joana, já tinha acabado faz tempo.
Joana passou os últimos meses na Austrália mais animada, tentando não pensar na volta, não pensar que Bob nunca respondeu seu email, mesmo ela falando com Horacio pra saber se ele tinha comentado algo, Horacio disse que não. Ela voltou, cheia de saudades, pra antiga casa de seus pais, que já tinham voltado a morar la. Estava lá a mãe e o pai, super felizes, tio Horácio e sua nova namorada cocota, o professor George e uns colegas da faculdade, para dar as boas-vindas para Joana. Ela perguntou de Bob para o tio, que disse que ele havia se mandado para Londres, mas tinha deixado uma carta, que, desta vez, ela não se esquecesse de ler.

“Oi Joana, tudo bem? Espero que sim. Sei que volta em 3 meses, eu ia até mandar um email, mas sabe, eu sou velho, prefiro o manuscrito. E preferi entregar para seu tio, e não te mandar por correio, sei lá, você demorou tanto pra ler a outra carta, se seu tio pedisse pra você ler, entregando nas suas mãos, sem falar que é pra esperar, acho que seria mais eficiente do que ficar misturado as contas de luz e telefone. Estou me mudando pra Londres, já estou lá agora, que você lê a carta. Sabe, você foi muito importante pra mim, assim como fui pra você, e eu aprendi muito com você, jovenzinha. Aprendi que há coisas na vida que não precisam ser perpetuadas, são fases e, em cada fase, há seu triunfo. Fomos o triunfo um do outro em uma dessas fases, e logo mudamos, eu demorei pra me tocar disso, mas eu vi que, não era a hora, nem a pessoa certa pra enfrentar comigo as fases que estão porvir. E nem eu era a pessoa certa pra você. Graças a isso, pude ir pra Londres, dar um rumo diferente a minha vida e, quem sabe, ser feliz e encontrar estabilidade (não que sejam sinônimos). Espero que seja feliz e, em breve, nos vemos, fazemos uma Jam session, quem sabe você poderia vir pra cá com o Horacio e caçaríamos o Keith Richards?
Beijos, Bob”

Joana ficou aliviada ao saber que Bob estava feliz, não queria acabar com ela e nem estava amargurado. A volta pra casa foi melhor do que ela esperava, Joana conseguiu entender que, da mesma forma que Bob, ela teve a lição de vida dela. Depois de tudo, o final feliz é aquele que não planejamos.

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